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Capitalismo e Família: como o fim de Succession desenha a interseção desses temas no século XXI?

Alerta de spoiler no último parágrafo.


Da mesma forma que a Monarquia não cabe no século XXI, negócios familiares também tendem a falir. Hoje, a ideia de sucessão familiar é sinônimo de enxergar com ingenuidade a realidade do mercado atual, onde o dinheiro e os interesses que orbitam ao seu redor sempre irão falar mais alto. Se antes essas empresas eram sinônimo de estabilidade e valores morais, hoje um negócio cujo ideal é sustentado ao redor da valorização da família e da tradição, tende a ter igual valor de qualquer outro tipo de sociedade,


Recentemente, li um artigo da Forbes Índia que dizia que negócios de família tendiam a falir, na maioria das vezes, pela ausência de educação financeira que essas crianças, futuros sucessores, que nasceram cercadas pela fortuna dos pais, não recebiam. Segundo o artigo, cerca de 70% dessas empresas faliam ou eram vendidas antes mesmo de que a sucessão chegasse à segunda geração. No artigo, também se culpa a ausência de um plano bem organizado sobre a sucessão, o que facilita que sejam tomados diferentes rumos de interesse oposto ao plano sucessório inicial.


Essas são boas razões, é claro. No entanto, eu vejo que, para além da ausência de educação financeira ou de plano de sucessão bem organizado, uma das maiores causas de empresas de sucessão familiar entrarem em declínio nesse século é a ausência da percepção de família a qual o capitalismo acaba sendo marcado por. Em um mundo cada vez mais ligado ao capital, o individualismo tornou-se uma regra difícil de ser contornada e a ausência de um sentimento coletivo, inclusive sobre família, entrou em declínio também. Assim, é claro que empresas familiares perderam boa parte do seu valor de mercado, já que a instituição social “família” também perdeu seu valor em sociedade.


Embora no início dos tempos a ideia da construção de um núcleo familiar viesse a favorecer a estrutura capitalista e seus pilares patriarcais e religiosos, hoje o núcleo familiar tem sido dissolvido em suas relações mais interpessoais devido a interesses próprios e egoísticos, sintomas de um reflexo massivo do valor do capital neste século. Outra questão que percebo é em relação ao tempo. O tempo é algo muito precioso na sociedade contemporânea, pois é a máxima do capitalismo, e o tempo investido com a família, pelo menos o suficiente para aprofundar as relações interpessoais neste núcleo, tem sido cada vez mais apropriado pelo mercado e pelas jornadas cada vez mais exaustivas.



Em Succession, não há tempo suficiente para construir-se relações elementares como entre pais e filhos, e toda a ideia ao redor da sucessão familiar da empresa vai sendo desgastada pelas noções pragmáticas impostas pelo mercado, que vão tornando esses possíveis sucessores já egoístas e ambiciosos em sujeitos cada vez mais estúpidos - uma caricatura de si mesmos. Quando Logan Roy opta por fazer uma briga de gato e rato, a vida toda, entre seus próprios filhos, ele não mostra apenas um lado malvado de si mesmo para o público, mas usa isso como forma de persuadi-los a pensar que estão jogando o jogo de gente grande, quando na realidade todos sempre estiveram na mesa das crianças.


Shiv, Roman, Connor e Kendall são adultos infantilizados, que nunca cresceram longe de um ambiente dominado pela riqueza e pelo constante bem-estar. A ideia de realidade dos Roy foi distorcida pelo dinheiro e Logan sabia disso o tempo todo. Embora fosse seu desejo sustentar uma empresa familiar até pouco antes do seu fim, a verdade é que o pai não via e nem desejava que seus filhos assumissem seu império, era melhor vender do que passar adiante. O que nos mostra, na realidade, que seu interesse sobre a venda da Waystar se tornou genuíno e, pasmem, até mesmo um ato amoroso, já que sabia que a venda do seu império seria o suficiente para que os filhos tivessem ao menos como manter o nível de qualidade de vida, mesmo depois da sua morte (e, claro, não o envergonhasse, também).


Nascido em um ambiente de pobreza e dificuldades, Logan também percebia nos seus possíveis sucessores o privilégio que nunca teve, e sentia a necessidade de puni-los por isso, talvez pensando que estava tentando educá-los. A comunicação com o próprio núcleo familiar tornou-se falha, o que construiu uma barreira que parecia intransponível, mesmo quando todos se tornaram adultos hábeis a compartilhar obrigações e responsabilidades em relação aos negócios. Logan nunca os levou a sério, porque também nunca os viu como pessoais conectadas aos problemas e necessidades do mundo real.


A verdade é que essa série reflete, em todos esses subtextos e comentários ao longo de quatro temporadas, uma sociedade efetivamente ligada aos efeitos mais profundos e danosos do capitalismo globalizado, do micro ao macro. Todas as relações interpessoais são minadas pelo sentimento mais desprezível que possa existir sobre o ser humano - e pelo mais valioso possível sobre o dinheiro. Não importa o grau de parentesco ou a forma de se relacionar, tudo em Succession só possui valor de fato se estiver ligado à possibilidade de uma recompensa. E, eu pergunto, não é assim o modus operandi do mundo todo?


Ao longo de quatro temporadas, se Connor se casou com Willa, ambos ganharam algo desse acordo. Se Logan precisa de Marcia, idem. Tom e Shiv, também. Mesmo quando existe um casal, o amor não é o tópico central dessas relações. Quando os irmãos demonstram um pequeno vislumbre de afeto, também, raramente esse ato não tem ligação com uma questão relacionada a dinheiro ou a algum acordo iminente, cujo ponto central pode não ser dinheiro, mas provavelmente resultará nisso. Ali, não existe ninguém que esteja procurando uma conexão maior que seu próprio nariz, tudo é um grande acordo onde o que importa é que uma das partes sempre esteja ganhando um pouco mais que a outra.



Sendo assim, não consigo imaginar um exemplo de um final mais perfeito para Succession que este, onde os negócios familiares deixam de existir e com ele a ideia de um sonho americano conservador. O colapso entre os filhos faz surgir um sucessor que não foi criado em um ambiente de riqueza, mas soube se posicionar em um local suficientemente importante para ser reconhecido, uma pessoa que faria de tudo pela própria ambição de chegar no topo, inclusive guardar os mais nefastos segredos. Tom Wambsgans é a pessoa ideal para suceder ao trono no mundo capitalista do século XXI, para qual o valor do dinheiro é tão inenarrável, que ele faria qualquer coisa do mundo para se cercar de uma riqueza inestimável - inclusive sacrificar o sonho da mãe do seu filho.

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