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Foto do escritorFabiana Lima

Titane: fetichismo vazio pelo bizarro transforma essa obra em sinônimo de tortura.

Atualizado: 17 de dez. de 2021


Torturante, novo filme de Julia Ducournau, parece excitar-se com uma espécie de fetichismo vazio pelo bizarro onde o resultado é previsível e carente de maior profundidade. Em uma tentativa de ser "filme de arte", a diretora abusa de recursos estilísticos, onde luzes neon parecem ser a atração principal, para mascarar a existência (ou seria ausência?) de um roteiro totalmente deslocado, no qual a sucessão dos acontecimentos carece de qualquer sentido. Com uma divisão clara em duas partes, o filme tenta ser duas coisas completamente diferentes que, ao final, não se encaixam. O que começa com o potencial máximo para abraçar o bizarro e incorporar de vez o slasher e o body horror, em pouco tempo se transforma em uma história piegas que tenta um viés psicanalítico fracassado sobre amor e paternidade.

A diretora ficou conhecida mundialmente por Raw, um filme que também é bastante chocante e que se tornou ainda mais famoso depois de provocar uma espécie de vômito coletivo em uma das suas exibições. Mas, em Titane, Julia opta por seguir uma via diferente em que o choque deixa de ser um recurso narrativo e passa a ser apenas uma forma de ser lembrada. A violência nos primeiros minutos de filme, que se prolonga até as cenas finais, é, de fato, gratuita. De todas as coisas que me impressionaram no atual vencedor da Palma de Ouro, a última foi a cena em que Alexia transa com o carro. Embora seja mesmo bizarra, e eu não vou negar isso, até ali eu ainda acreditava que o roteiro desenvolveria esse momento mais a frente e que a famosa cena teria algum propósito. Talvez estivesse ali para ilustrar a mente perturbada da protagonista, e explorar esse viés tendo como fio condutor a vida dupla que ela aparentava levar.


No entanto, não foi o que ocorreu. Em uma virada completamente bizarra, o filme é brutalmente dividido em dois. Enxergo com muita clareza a existência de um Titane parte um e parte dois, duas metades de um desenvolvimento pífio que resulta em total desconexão. Na segunda parte foi feita a pior escolha: abandona-se o bizarro e o terror gráfico para seguir uma linha baseada nesse viés freudiano da busca pela figura paterna, onde a polêmica cena na verdade foi um pretexto para nascer em Alexia, literalmente, uma vida indesejada que a impulsiona a encontrar alguém que é apenas carente o suficiente para retribuí-la com aquilo que ela nunca teve. Essa nova figura paterna decide aceitar a protagonista muito embora já saiba que não se trata do seu filho, o que não precisa ser necessariamente realista, é claro, mas vamos combinar que soa, no mínimo, precipitado.

São tantas cenas desnecessárias à construção da ideia central (bem boba, por sinal), que é difícil defender que o choque aqui esteja exercendo uma função narrativa e não apenas cumprindo com o tempo de tela suficiente para ser polemizado depois de assistido. O choque pelo choque, puramente, é algo que tem conquistado o cinema moderno cada vez mais com expoentes bastante conhecidos como Gaspar Noé, Lars Von Trier, Michael Haneke e Yorgos Lanthimos, por exemplo. Todos esses diretores possuem filmes bons, mas também possuem obras em sua filmografia que a gratuidade de certas cenas implica em um debate bastante prolongado sobre qual é o real objetivo de tudo isso. Falo em uma posição bem distante de qualquer purismo, mas o excesso de cenas violentas ou usadas na intenção de provocar sentimento de "nojo", pode ser muitas vezes um sinal de carência de outros aspectos como, por exemplo aqui, o desenvolvimento de uma boa história.


Julia Ducournau se junta a esses nomes escolhendo por seguir uma linha de raciocínio em que não importa muito a construção de uma história em si, mas sim o impacto que ela pode trazer. Seja o filme incoerente ou não, ele deve ser lembrado para sempre como uma obra incômoda. Mas, porquê? Pra quê? É algo que dificilmente saberemos dizer. A diretora cruza uma linha já tênue e faz isso a troco de nada. É frustrante assistir, pois realmente se empenha, cena torturante após cena torturante, para sair de nenhum ponto em busca do “lugar nenhum”. Se todos os filmes dependessem apenas de uma boa dose de sangue e graxa para serem contemplados como cinema de arte, essa que já é uma classificação questionável, se rebaixaria a algo inexistente.

Titane falha em ser um filme “artístico” (redundante por si só), tanto quanto falha em ser qualquer outra coisa. Sua história contempla apenas o bizarro, se fingindo de algo provocativo o suficiente para ser interessante. Mas nega, com certo receio, em se assumir em sua montanha-russa e cruzamentos de gêneros, pois em outro momento tenta contemplar-se apenas como um drama sobre paternidade, embora também passe de longe de ser um filme que abrace o drama. Em outra obra talvez essa negação de um lado de outro poderia fazer algum sentido, nem que fosse na própria existência da contradição, mas aqui isso só se torna um grande vazio em busca da primazia pelo estilo. Para o bem ou para o mal, Titane marca a gente. No meu caso, infelizmente, só será lembrado pelo brilho da fotografia de Reuben Impens que, literalmente, rouba o filme das mãos de Ducournau em alguns momentos e, também, pela trilha sonora moderna e cosmopolita.


No cinema contemporâneo eu já contemplei uma série de absurdos. De filmes em que Robert Pattison se masturba diante de uma sereia (O Farol de Robert Eggers), em que em que Isabelle Huppert se autoflagela com navalhas na virilha (A Professora de Piano, de Michael Haneke) e até mesmo o momento em que Garance Marillier tenta comer seu próprio dedo (Raw, da própria Julia Ducournau), mas nenhum desses filmes revelou cenas tão torturante quanto todas as de Titane reunidas. Precisa ter estômago, mas mais que isso, persistência e muita paciência para concluir o filme. O bom é que o excesso é tamanho, que do meio para o final é quase certo que você estará imune aos sentimentos de enjoo, pois serão substituídos pelo total e profundo arrependimento.


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