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Foto do escritorFabiana Lima

O Menino Que Matou Meus Pais e A Menina Que Matou Os Pais: um reducionismo do caso Von Richthofen.

Explorando um viés moralista e aderindo a uma narrativa demasiadamente rasa, os filmes tão aguardados sobre o caso que chocou o Brasil só consegue se sustentar pela dicotomia que decorre da tensão entre duas versões de uma mesma história, criada a partir de dois filmes incompletos. Entre tantos meios para se explorar um caso como esse, foi escolhido o mais simplificado de todos: a reconstrução dos fatos com base no depoimento dos réus.


Sozinhos, os dois filmes são fracos, limitados e incompletos. Sustentam certa importância apenas na necessidade que possuem um do outro para que funcionem minimamente bem. Enquanto O Menino que matou meus pais se destaca pela atuação de Carla Diaz ao ter a personagem como a narradora da história, A menina que matou os pais se apaga por ser uma mera reprodução de uma versão mais factível da história, narrada por Daniel. Se em O menino que matou meus pais estamos minimamente intrigados pela versão dissimulada dos supostos fatos através da visão de Suzane, na visão de Daniel o interesse se apaga e a história se torna cada vez mais do mesmo, como se um depoimento fosse reconstruído e televisionado em seguida.


Considerando a crescente popularidade de produções do subgênero “true crime”, o que foi feito nessas obras não atingiu o esperado. Se atendo apenas aos depoimentos dados pelos réus, um caso que poderia ter sido um bom filme de tribunal, ou mesmo sobre a vida de Suzane, se levada em consideração uma abordagem mais psicológica, se viu perdido. Pela limitação e medo de se arriscar, a obra como um todo se perdeu nesse viés moralista de apontar um culpado óbvio, que resistiu embora tenha apresentado duas versões do crime, pois não conseguiu convencer ninguém da versão contada por Suzane.


Já estamos habituados com a ideia de que Von Richthofen é a assassina. Se a intenção era de apontar duas versões do caso, talvez pudesse tê-lo feito unificando a narrativa, produzindo um único filme mais completo que trouxesse, de algum modo, uma brecha para interpretações em sentido contrário. O problema é justamente esse: não há brechas para interpretações se você não assistir, obrigatoriamente, os dois filmes. Uma cena final ligando um filme a outro não é suficiente para abrir questionamentos razoavelmente fundamentados, por isso não podemos dizer que estamos diante de filmes completos.


É essencial compreender que incompletude não deve ser vista como algo aceitável dentro do cinema. Se, para compreendermos uma história em sua integralidade, precisamos de outra obra complementar, logo estamos diante de algo que falha por não obter em si mesmo uma compreensão minimamente funcional. O cinema nacional, em que pese poucos recursos, tem sempre produzido filmes interessantes. Importa dizer, inclusive, que ambos os O Menino e A Menina, possuem uma qualidade técnica inegável que vai desde a captação do som ao trabalho de montagem, pois contar o mesmo caso sob duas perspectivas diferentes é, sem dúvidas, desafiador, e o filme leva o mérito de fazer isso muito bem. O seu maior mérito, diga-se de passagem, é esse.


No entanto, sabendo que mesmo com a diminuição significativa de recursos financeiros que já eram escassos e as inúmeras tentativas do governo atual de desmantelo do audiovisual, o Brasil continua produzindo filmes com destaque internacional, cabe apontar que o mero ato de criticar uma obra nacional de grande apelo comercial ou não, não importa necessariamente no desprezo à indústria cultural brasileira. Apenas a constatação de que estamos diante de uma obra fraca. Se ambas obras estivessem nos cinemas, é bem possível que o desempenho tivesse sido pífio, por inúmeros fatores dos quais não se destaca o óbvio mau desenvolvimento da história.


Diante de um caso com muito potencial, o que podemos assistir é uma limitação que fala muito, mas sozinha, não tem nada a dizer. Destaque aqui para a cena que não possui propósito algum onde a quebra da quarta parede é feita pelos personagens, muito embora saibamos nitidamente que os réus narram suas versões e que estamos diante de uma história questionável. Não faz sentido que o personagem quebre a quarta parede, muito menos que isso possa causar impacto. É uma cena solta, sem propósito narrativo e que só escancara, ainda mais, a inabilidade do roteiro em se fazer conciso.



Separadamente, os filmes possuem uma força tão significativa quanto nula. Não há o que se dizer em desmerecimento do cinema nacional quando estamos diante de uma obra claramente subdesenvolvida, sabendo que possuímos um histórico de potencial muito acima daquele que temos acesso aqui. É necessário que exploremos mais o nosso cinema, a ponto de podermos destacar o que deve ser reconhecido, em detrimento de obras reducionistas e moralistas, que pouco se arriscam ao contar um caso que é, por essência, desafiador.


Por isso, ambas as obras são decepcionantes. Conseguem nos entreter até certo ponto, pela tensão entre o jogo de verdadeiro ou falso, mas logo nos lembra que com tanta importância dada à duas versões de um mesmo caso, a flagrante limitação é nossa última memória de um filme que se confia demasiadamente na força do caso que chocou o Brasil, se esquecendo de desenvolver um roteiro à altura, se arriscar e explorar algo que possa ir além daquilo que já era de domínio público.


E você, o que achou desses dois filmes? Comenta aí!

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