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Foto do escritorFabiana Lima

Marighella: onde a política foi maior que a própria arte.

Manifestamente político, Marighella se posiciona enquanto um filme corajoso, mas revela clara inexperiência de Wagner Moura enquanto diretor e roteirista, onde põe a esquerda brasileira como mera reprodutora de frases prontas. A profundidade da obra se restringe a fatores pontuais: o personagem controverso de Marighella, em uma escolha acertada de Seu Jorge enquanto protagonista e do personagem do delegado Lúcio, interpretado por Bruno Gagliasso, a preocupação com a retratação da História e a sua importância que extrapola as salas de cinema. No mais, se contenta em viver de momentos superficiais e caricatos. Dos poucos diálogos importantes, a grande maioria parece ter sido tirada de um texto pronto do Facebook há cinco anos, no auge daquele Brasil que iniciava seu momento de crise política profunda, onde frases de efeito eram trazidas sem muito propósito ao final de um belo textão. A arte é política e isso é indiscutível, só acredito que se tratando de Marighella, a política foi maior que a própria arte - o que não é necessariamente algo ruim.



Com câmera sempre bem próxima dos personagens, explorando os primeiríssimos planos, muitos movimentos de travelling e câmera na mão para impor um ritmo frenético nas cenas de ação, Wagner Moura parece querer emular um estilo meio Michael Mann em Heat (1995), tendo como trama central uma outra espécie de briga de gato e rato. No entanto, ao contrário da obra de Mann, Wagner Moura parece fazer tudo isso detrimento da construção da própria história, revelando sua inexperiência também no roteiro. Desde o início confuso e desordenado, até os excessos de câmera na mão e violência brutal, tudo é excessivamente caótico, algo que é acentuado com o triste emprego de falas rasas e preguiçosas. Mesmo quando a emoção vem, a sensação subsequente é de vergonha alheia, provocada a partir do excesso de romantismo dos diálogos (aqui no sentido de uma visão idealista da realidade) onde o problema do emprego dessas frases de efeito é algo visível.


Longe de mim discordar que a ditadura militar representa tempos sombrios e terríveis na história do Brasil. Longe de mim, também, querer questionar o papel histórico de Marighella, figura importantíssima para o país que se tornou mundialmente conhecido como líder da resistência. No entanto, ao longo do filme é inevitável pensar que existiam inúmeras formas de frisar ambos pensamentos sem que o roteiro precisasse recorrer a colocações tão genéricas. Às vezes a obra pode soar tão rasa quanto uma discussão de Twitter, quase como se pudesse ser resumido em “a ditadura é ruim e viva Marighella”. Em uma cena específica, em que Carlos Marighella se reúne com outros companheiros de revolução, quase tive a certeza de que estava lendo os comentários de um post qualquer nas redes sociais: “precisamos levantar”, “o Brasil precisa disso” e “o povo vai se unir”. São momentos decepcionantes marcados por essa vontade quase patológica de estar posicionado. Todavia, mesmo diante dos meus incômodos quanto à mediocridade dos diálogos, isso não foi o suficiente para eclipsar por completo os méritos que aqui existem.


Marighella tem atuações excepcionais, não tenho dúvida disso. É provável que se Seu Jorge não fosse o protagonista e Gagliasso não tivesse se entregado aos horrores de Lúcio, ninguém mais teria me convencido da dimensão histórica dessa cinebiografia. Mesmo com as mais frases menos elaboradas possíveis, o protagonismo é executado com maestria e, em alguns momentos, é o que nos permite deixar de lado os absurdos do roteiro. Ainda, o filme é fiel na sua abordagem nua e crua da ditadura militar, especialmente na brutalidade da violência e na retratação da influência dos Estados Unidos na política interna brasileira. O fantasma da dita ameaça comunista sendo usado para mascarar o imperialismo norte-americano no país torna o filme mais interessante também para o público fora do Brasil, que compreende a gravidade da influência externa no governo, no momento mais sombrio da nossa história.


Além disso, em um momento onde o cinema brasileiro sangra, ter uma obra fraca mas que passa para o mundo e para o seu povo uma mensagem que vai além dela mesma, ainda que o faça mediante o emprego de argumentos genéricos, é algo importante. Embora com uma técnica trôpega, é impossível não levar em consideração a importância que tem Marighella por extrapolar as salas de cinema e levar à massa uma discussão urgente, a qual parte do nosso passado a fim de refletir sobre o momento presente, em que estamos sob o desgoverno de um presidente que flerta com o fascismo, e um povo que parece ter esquecido da sua história para hoje sair às ruas e clamar pela intervenção militar. “O povo deve conhecer a sua história, ou estará fadado a repeti-la”. Marighella não é nenhum Cabra Marcado Para Morrer (1984) e Wagner sabe que não é nenhum Coutinho, mas seu filme é tão importante quanto para deixar a memória do povo viva.



Na voz de Chico Science “Viva Zapata! Viva Sandino! Antônio Conselheiro! Todos os Panteras Negras, Lampião e sua imagem e semelhança”, o filme se inicia. E com a inconfundível voz de Gonzaguinha “Memória de um tempo onde lutar pelo seu direito é um defeito que mata”, se finda. No Brasil de 2021, a política é de fato maior que a própria arte. Sabendo disso, a impressão que fica é que para Wagner Moura pouco importa se é textão de Facebook, discussão de Twitter ou nota de repúdio, ele abre mão de ser isento para ser algo que o Cinema também é: um manifesto. Ao seu modo emocionado e falho, reafirmo o que disse no começo: Marighella é um filme corajoso ainda que superficial. Pois não esconde onde está no espectro político: à esquerda do Palácio do Planalto, assim como os soldados que passam pelo protagonista, marchando sempre “à esquerda, à esquerda, à esquerda”.

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