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  • Foto do escritorFabiana Lima

Spencer: o silêncio e a impotência compõem uma narrativa complexa e inédita sobre Lady Di.

Em qase 25 anos, a história da princesa de Gales foi retratada em quase 30 obras diferentes, incluindo filmes, séries e documentários, sem contar as obras literárias. Todas tentam fazer um apanhado sobre sua vida, permeada por polêmicas, moda e ativismo. Com tudo isso, é de se esperar que Lady Di tenha se tornado uma lenda - e lendas nunca morrem de verdade. Grandes lendas apenas partem deste mundo para se tornarem seres mitológicos os quais, postos sob diferentes perspectivas, irão ganhar diferentes formas. Ora monstruosas, ora graciosas. Isso depende de quem irá contar a sua história.


Quando Pablo Larraín decide por um recorte temporal bastante específico (quando o casamento de Diana e Charles já estava na reta final) para sua obra, o faz por ter em mente o retrato de uma Lady Di bem mais próxima da figura de uma mulher complexa e mais humanizada, cercada pelos fantasmas do medo, do que um ícone de graça e estilo, de uma narrativa vitimista e simplificada. A opção pelo uso do nome de solteira da princesa no título já implica dizer, desde logo, que estamos diante de uma representação intimista, dolorosa e, claro, profundamente pessoal desta, que explora com um teor psicológico inegável a atmosfera de terror que a acompanhava hodiernamente, durante os últimos anos de sua vida.

Ao se afastar das outras quase trinta obras feitas neste século sobre a vida de Diana, em Spencer o diretor deixa claro não estar interessado em explicar quem foi a princesa, como chegou no estado em que se encontra e, muito menos, como ou se pretendia sair. Ao contrário, deliberadamente se confia na ausência de longas explicações, ou mesmo de diálogos, a fim de evocar a força do silêncio - importante para a atmosfera do medo. Angustiante, aquilo que não é dito nesta obra é o mais significativo e ressalta o peso das relações de poder, algo que se faz essencial dentro de uma história que envolve a monarquia britânica. A hierarquia está viva durante todo filme e é evidenciada constantemente, seja pela trilha sonora de Jonny Greenwood, ou pela arquitetura dos cenários.


Através de muitos planos abertos, Larraín passa a imponência da realeza e faz parecer que as paredes do palácio são tão sufocantes quanto uma prisão para a protagonista. Ora, na cena de abertura, militares marcham e assim intimidam o espectador, já impondo um senso imediato de perigo, de que estamos diante de um filme sobre poder e sua ausência; sobre controle e sua falta. É quando Spencer sai daquele ambiente opressivo, de imensa autoridade, que se percebe ser para ela o equivalente a sair de um presídio. Durante mais de uma hora, ela é a antítese daquele ambiente desolador, uma pessoa calorosa em um ambiente de frieza, que não podia e não queria ser domada - por mais que sempre tentassem e ainda que a pressão seja crescente e esmagadora, sem sinal de alívio.


Quando suas fraquezas são expostas (as mesmas que incomodaram os filhos que vieram a público criticar a obra), passamos a vê-la como uma mulher injustiçada e fragilizada pela situação que lhe era imposta e, desse momento em diante, nossa visão mitológica sobre essa lenda intocável, cai completamente. Simpatizamos com sua jornada, assim como foi na época em que ainda estampava capas de jornais e revistas pelo mundo: através da mera identificação. Deixamos de lado tamanha idealização que tantas obras sobre a monarquia impõem e vemos Diana como Spencer, uma mulher comum com anseios e delírios. Assim, quando dribla seus inimigos e foge, é o único momento em que seu semblante (e o nosso) se modifica. Spencer muda seu figurino e abraça seu espírito livre, longe do visual engomado, para seguir em direção a uma vida mais comum, longe de tudo.

Por isso, em que pese o filme ter um ritmo acelerado e ir, assim, de encontro às expectativas da grande maioria das pessoas que esperavam uma grande biografia - aqui no sentido de recorte temporal mesmo - ainda é justamente nesses aspectos que reside a maior genialidade da obra, além da atuação magistral de Kristen Stewart. A semelhança da atriz com a princesa Diana durante as gravações foi um dos assuntos mais discutidos e fez com que o filme, que já era bastante aguardado, se tornasse um grande destaque. Assistindo a Spencer, entendemos o porquê: a atriz, de fato, está no seu auge. Através do silêncio, as emoções da protagonista são visíveis em seus olhares. Momentos de total desespero se tornam quase palpáveis pelo poder da atuação.


O conjunto da obra faz com que Larraín conte uma das histórias mais originais e humanizadas que já existiram sobre a princesa de Gales. O descontentamento da família real e de grande parte do público com a obra apenas reforça a ideia de que as escolhas do diretor foram acertadas. O relacionamento de Diana com o marido, com os filhos, os empregados e, principalmente, com a rainha, são complementares ao estado psicológico da protagonista e, embora se questione os limites entre realidade e ficção, é importante sempre defender que qualquer adaptação cinematográfica possui sua liberdade. E é bom que faça uso desta.

Diferentemente de Jackie (2016), filme durante o qual Larraín faz uma abordagem histórica mais completa do contexto político dos Estados Unidos, em Spencer o diretor abdica da vontade de fazer o mesmo, pois não há necessidade. Neste filme, o que há de mais importante são os aspectos psicológicos, não históricos, os quais pouco abordados ao redor dessa figura histórica, se mostram mais interessantes. Fazendo isso, Spencer sai do lugar-comum e conquista um espaço de destaque diante das tantas obras sobre Lady Di. É na complexidade do seu roteiro, sustentado por uma protagonista excepcional, que reside a verdadeira homenagem, cheia de originalidade. Spencer é a prova de que lendas nunca morrem, apenas mudam a depender da versão.


Ora monstruosa, ora graciosa, Diana, Spencer ou Lady Di tinha, acima de tudo, uma visão muito clara e corajosa diante de seus princípios. E foi sendo dona de uma coragem pouco compreendida, que saiu daquele "presídio", para celebrar uma vida mais simples com os filhos, ao final da trama. Assim como, foi com a mesma coragem de se opor, que infelizmente foi levada em direção a uma morte trágica e, para tantos, racionalmente inexplicável.

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