Em “Os Enforcados”, o fascínio e conhecimento de Coimbra sobre o cinema é perceptível. Do noir com ares de Pacto de Sangue (1944) e Chinatown (1974) ao seu aspecto mais mafioso, com referências diretas às representações imagéticas da máfia italiana na sétima arte que têm como símbolo máximo a trilogia setentista de Francis Ford Coppola, O Poderoso Chefão, seu novo longa, mais de dez anos depois de “O Lobo Atrás da Porta”, demonstra que o diretor não perdeu o tato e está, ao contrário, mais maduro que nunca ao imprimir uma marca sua e, não obstante, brasileiríssima, diante de uma miscelânea de referências internacionais.
Em mais uma parceria de trabalho de sucesso com Leandra Leal como protagonista, Coimbra neste filme investiga a elite carioca emergente, de riqueza oriunda da contravenção, e diante desse cenário acaba desenvolvendo uma história potente que circunda o poder, a ganância e o crime. No prólogo, o rei do carnaval é filmado em um plano fechado, sorrindo e impondo uma presença assustadora, observando a personagem de Leandra Leal, a qual encara de volta por alguns minutos, e então desce um machado na cabeça do boneco - antecipando e, de certa forma, sintetizando o próprio filme.
Na trama, Regina (Leandra Leal) é uma mulher que acredita ser parceira nos negócios do marido Valério (Irandhir Santos). Como em Pacto de Sangue (1944), ambos tramam juntos uma forma de livrar-se do tio, Linduarte (Stepan Nercissian). Contudo, a sucessão dos acontecimentos e diversos imprevistos redesenham os planos do casal e o marido passa a mudar seu comportamento de maneira gradual, a partir de imposições abusivas e violentas para com Regina, culminando em um clímax sangrento e “Macbethiano.”
A direção de arte e a direção de fotografia do filme trabalham de maneira exemplar em imprimir nesses espaços, especialmente a casa central onde tudo acontece, a sensação exata de palco de guerra. Os contrastes de luz e sombra e as simetrias que deixam, vez ou outra, o Rio de Janeiro aparecendo ao fundo são essenciais para a criação da sua atmosfera, onde os ambientes são, também, personagens. O maior destaque, contudo, vai para a trilha sonora composta por Tiago França, mais condizente com o título em inglês do filme “Carnival Is Over” (“Carnaval Acabou”), com batidas que remetem às músicas de escolas de samba cariocas, mas com um descompasso completamente desconcertante.
Existe uma cena em específico, uma panorâmica filmada no que parece ser apenas uma tomada, que é absolutamente exemplar. É uma cena de ação no meio de um filme majoritariamente dentro de um suspense cômico, a qual surpreende qualquer pessoa pela sua execução. A escolha pela música, pelo ângulo e pelo momento do filme em que a cena acontece evidencia um domínio muito interessante de Fernando Coimbra sobre seu filme. O diretor sabe exatamente o que busca provocar no espectador e o faz a partir de determinadas escolhas que são propositalmente conflitantes, o que torna o filme melhor e mais complexo.
Penso que, para todos que já assistiram à série do Globoplay, “Vale o Escrito”, famosa pela narração de Pedro Bial e pelas figuras ilustres da contravenção carioca, “Os Enforcados” é como se fosse a versão de cinema, sem necessariamente se enquadrar, ainda bem por isso!, na já desgastada fórmula “true crime.” E aos que estavam com saudades de um filme intrigante, com atuações memoráveis e um rigor técnico impassível, como “O Lobo Atrás da Porta”, o novo longa de Coimbra é uma versão mais amadurecida e ousada do seu trabalho anterior, sobre a qual é praticamente impossível se decepcionar.
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