Não seria uma declaração tão impopular dizer que o indicado ao Oscar, “Can You Ever Forgive Me?”, é um dos filmes mais fracos a entrar na competição nos últimos anos e que ainda, se formos honestos, é bem mais lembrado pela atuação de Melissa McCarthy, a única categoria que conseguiu alçar, do que pelas suas qualidades cinematográficas. Em 2024, a diretora Marielle Heller parece trilhar o caminho para repetir o mesmo feito com “Nightbitch”, um filme que será lembrado mais pela atuação de Amy Adams e, com sorte, pelo tema que aborda, do que por qualquer outro aspecto de sua construção.
A trama, adaptada do livro homônimo, é até interessante. A protagonista é uma mãe exausta cujo trabalho de cuidar do filho pequeno nunca para. Um dia, ela percebe que talvez esteja se tornando uma cachorra. Seus dentes caninos começam a crescer, ela começa a enxergar pelos em várias regiões do corpo e seu comportamento muda, cada vez mais parecido ao de um animal. Curiosa, ela passa a investigar as mudanças pelas quais vem passando, entrando em contato com seu lado instintivo e, eventualmente, aprendendo a utilizá-lo como uma ferramenta para lidar com a sua realidade.
A montagem do início já sugere a corda bamba que esta mãe performa todos os dias, entre a vontade de jogar tudo para o alto e a necessidade de manter tudo em ordem. Nesse ponto, o filme sucede em imprimir a exaustão da rotina pelo recurso da repetição, enfatizando o caráter difícil e cansativo do trabalho de mãe, o tipo de trabalho que não se adquire por meio de diploma e que não possui férias, nem manual de instruções.
Enquanto o marido sai todos os dias de casa e vive longe da imprevisibilidade e exaustão daquele trabalho diário, a mãe se torna a própria maternidade, tudo que envolve ser mãe é o ponto central da sua vida e, com isso, ela esquece quem realmente é, se tornando prisioneira da própria rotina e um ser humano invisibilizado. Acredito que Adams reflete todo esse peso no seu semblante, é de um pesar sem tamanho.
Até pelo menos a metade de “Nightbitch”, esse semblante é o que sustenta o filme. Contudo, não existe uma única obra que não precise de mais do que isso e, nesse caso, é mais complexo ainda, pois o filme precisava de muito mais. O realismo mágico seria o grande diferencial aqui, caso a diretora estivesse disposta a ir além e não fosse tão comedida com a abordagem dessa fantasia. Trata-se de um filme cuja premissa abria um universo inteiro de possibilidades, e o que foi feito com isso é, simplesmente, careta. É um filme que entra no campo da imaginação, mas ironicamente não tem nenhuma.
O som até tenta nos levar a lugares diferentes, tenta entrar na dimensão psicológica dessa personagem, mas existe uma burocracia tão comercial na encenação do filme que o resultado é simplesmente desinteressante. É uma pena. A violência do ato do parto é grotesca. Bebês de fato vêm ao mundo rasgando mulheres de dentro para fora, em um grito intenso de dor. Para algumas mães, a forma de lidar com a violência primeiro e, depois, com a exaustão, pode ser a total despersonalização - ou uma fuga imaginativa. Nesse estado, a mente acessa os lugares mais inimagináveis em nome do desejo de libertar-se. A diretora até expõe isso, mas não trabalha. O resultado, então, é bem menor que a força do seu discurso.
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