Fabiana Lima
Não Olhe Para Cima é uma nota de repúdio bem-humorada que usa a sátira para mascarar fragilidades.
É inegável que Adam McKay tem um estilo muito próprio. Alguns amam, muitos odeiam. Eu, embora reconheça méritos em A Grande Aposta, por exemplo, não acho nenhum dos seus filmes bom o suficiente para fixar na memória, muito menos para entrar em qualquer lista de favoritos. Vice, que foi uma das grandes decepções daquele ano, é mais lembrado pela transformação de Bale que qualquer outra coisa. A verdade, mesmo, é que não me enche os olhos muitos aspectos da sua direção. Começando pela agilidade desnecessária, que sempre tenta chamar atenção pra si e me deixa zonza, passando pela sua forma documental de contar histórias e terminando pelos temas que decide retratar em seus filmes. Ao que parece, para mim, McKay está sempre em busca de um cinema “explicativo”, que abre espaço para que uma parcela do público o compreenda com um senso deslocado de intelectualidade.

Seja ao retratar a crise da bolha imobiliária de 2008, seja quando quis contar a história de um antigo vice-presidente em crise. Ou agora, quando quis expor temas que andam nos custando muito caro como fake news, capitalismo, negacionismo, ascensão do fascismo e crise política mundial, o diretor simplesmente não resiste à vontade de explicar tudo ao público. Mesmo quando tenta deixar essa necessidade de lado em Não Olhe Para Cima, não consegue afastar totalmente. O filme tem um claro e nítido tom professoral, não esconde sua crítica, e também não deixa espaço para grandes interpretações. É, sim, um retrato do momento atual que vivemos enquanto sociedade. Mas, também, é uma racionalização pobre desse cenário, que se contenta em ser rasa em sua obviedade e se confia totalmente no elenco caro para explicitar o que deve ser dito, pois outros aspectos carecem da capacidade.
Na linha tênue entre a sátira incrivelmente ácida e o humor incrivelmente tosco, o filme se compromete com a última opção na maior parte do tempo e transforma seus personagens em uma grande piada e a sua duração em algo incômodo. Sendo o filme mais caro da história da Netflix, Não Olhe Para Cima continua abaixo de muitas produções da plataforma e prova por A mais B que grandes orçamentos não são por si só responsáveis por obras-primas. É necessário que haja um bom roteiro, uma boa montagem e uma direção competente. Aqui, o roteiro gira em círculos sem motivos que não para preparar um clímax previsível, cerne de sua duração desnecessária. A montagem ágil do início por si só já não é muito agradável e, pior que isso, não é coerente. Some ao longo do desenvolvimento, sendo retomada apenas no clímax e fica fora de tom. Por último, a direção esquece seu papel de regente dessa grande orquestra e parece gostar de roubar a cena, agindo quase como um personagem.
Por meio de artifícios do cinema documental, Adam McKay provoca nas pessoas essa sensação de proximidade com o real e, talvez por isso, optar pela sutileza nunca é uma opção. As sutilezas são primariamente rejeitadas pelo diretor e a partir disso nasce um filme explícito, óbvio, e também relacionável. Se por um lado isso pode ser algo bom no que tange a formação de público, gera um problema profundo sobre o assunto que se pretende abordar. A pauta da obra é essencial, mas não corresponde à qualidade. Além disso, é necessário que tais assuntos sejam tratados com maior profundidade para que não caiamos em discursos rasos e vazios sobre a real dimensão de problemas como a desinformação e o negacionismo. O subdesenvolvimento dessas pautas deixa o relacionável pelo relacionável e é, em suma, uma série de frases prontas para serem postadas nas redes sociais. Não Olhe Para Cima será replicado inúmeras vezes, não tenho dúvidas. Mas, que tipo de mensagem de fato isso passa que não a reafirmação de algo que já sabemos? Ou que, ao menos, deveríamos saber? Estamos falando com nós mesmos. É mero alento diante de um problema bem maior.

O filme não parece racionalizar em cima disso, e se contenta em ser uma nota de repúdio bem-humorada e cheia de obviedades, que tem mais potencial para despertar pretensiosismo que debates. Não há nada de novo. E, embora não tivesse a obrigação de desconstruir sozinho o sistema político e econômico fracassado em que nos encontramos, reduzir todo o problema a um personagem similar a Elon Musk e Steve Jobs, uma mistura de Hillary Clinton e Donald Trump ou um cientista frustrado que passa horas do seu dia respondendo mensagens de ódio na web, não é, para mim, a melhor das formas de usar um orçamento bilionário. Se afastarmos do filme a sua pauta, o estilo usado por McKay e a forma como os personagens são construídos seriam mais motivo de piada que de real preocupação com o mundo atual em que vivemos.
Enquanto muitos irão afirmar que Não Olhe Para Cima é um filme proposital naquilo que é fraco e dizer que essa é a razão de seu brilhantismo, me coloco na posição de rebater e dizer que o fato de algo na obra ser proposital não o deixa menos regular. Se para sátiras serem boas basta mascarar qualquer fragilidade com um estilo marcante e uma pauta importante, teríamos muito mais filmes brilhantes na história do cinema que usaram o humor ácido para abordar temas igualmente contemporâneos aos seus lançamentos e não tiveram a mesma atenção. Por isso acredito que parte do segredo de seu alvoroço vem da dinâmica do streaming no final de ano e pelo seu elenco chamativo, não pela sua qualidade em si.

A verdade é que, em que pese abordar temas importantíssimos, o filme veio em um pacote de erros que o torna difícil de engolir. Enquanto produtor de uma das maiores séries do momento, que tem como principal gênero a sátira, Adam McKay se sai muito melhor em Succession que no seu próprio filme. Não sabe sozinho como construir uma comédia que seja divertida, ao mesmo tempo que seja profunda sem lhe conferir esse tom de bê-á-bá. O mais frustrante é saber que ele teve um elenco de peso e um orçamento colossal para tal, e falhou. Não deixo de lado a minha recomendação para que toda e qualquer pessoa que convive com o horror da desinformação e o terror do negacionismo assista, mas reforço não ser nem de longe o melhor filme do ano. Ou mesmo um dos melhores que já vi. No entanto, dos filmes da Netflix, até o momento, Ataque dos Cães e A Mão de Deus, por exemplo, são um proveito muito melhor de tempo para o espectador e, claro, de dinheiro para a plataforma.