Dono de uma das vozes mais inconfundíveis do Brasil, Sidney Magal é um ícone da nossa cultura. Suas roupas extravagantes, seu estilo que passeia pelo limite entre o brega e o camp, músicas cheias de latinidade e uma estética flamenca, para sempre única, fizeram do artista um símbolo de sensualidade inconfundível que levou milhares de meninas e mulheres no Brasil e no mundo a se apaixonarem perdidamente.
Quando se pensa no artista, o imaginário popular voa direto para algo parecido com a cena inicial dessa cinebiografia: uma legião de fãs enlouquecidas, bravejando seu nome seguidos de "eu te amo", enquanto Magal esbanja seu rebolado e atiça ainda mais a sua apaixonada plateia, algo muito parecido com o que Baz Luhrmann faz em Elvis (2022).
No entanto, embora Meu Sangue Ferve Por Você ainda abrace essa estética do exagero e tire inspiração clara no filme magnético e hiperestilizado de Luhrmann, o que se desenrola acaba sendo uma versão bem mais "light" e sem graça. Existe uma escolha significativa por retratar um "conto magalesco" ao invés de uma narrativa típica de cinebiografias, algo que se assemelha com Elvis e que irá permitir que o diretor Paulo Micheline passeie pelo absurdo, exagerado, caricato e brega mais vezes do que seria possível caso assumisse uma faceta mais documental da vida do artista.
Porém, a história que se segue deixa claro que o filme opta por subverter as expectativas do público e romper completamente com a imagem que se tem de Sidney Magal, preferindo por estar mais próximo de uma comedia romântica musical, de um Amor Sublime Amor (2021) ainda que inconsistente do que de um retrato da loucura de um sujeito engaiolado pelo showbizz como Elvis.
Não teria problema algum com isso, acho uma saída muito inteligente ater-se inteiramente às inúmeras possibilidades de uma fantasia que não tem, em tese, qualquer compromisso o realismo. Retratar a história de Magal pelo viés de um filme musical possibilita uma narrativa mais artificializada e, consequentemente, mais livre das exigências que geralmente permeiam as cinebiografias.
A escolha pelo irreal que se traduz nos números musicais, personagens caricatos, humor muitas vezes corporal e cores marcantes da fotografia que exploram ao máximo a beleza de Salvador, dá vida às melhores coisas que o filme tem a oferecer brilham: as atuações de Emanuelle Araujo como Graça, de Sidney Santiago como o Tio Renan e Caco Ciocler como Jean Pierre (no maior estilo Coronel de Tom Hanks, diga-se de passagem), o artifício dos planos que se confundem, do glitter que explode na tela e nas duplas e até triplas exposições que irão lembrar os filmes maneiristas da década de 80.
São nesses momentos que o filme até consegue se assemelhar com aquilo que ele próprio se propõe a ser, mas fica claro, diante de muitos outros que existe uma dificuldade em dar continuidade ou sequer unidade a essa escolha estilística por não haver uma ideia uníssona traduzida na linguagem do filme. Muitas vezes nos deparamos com uma câmera sem imaginação e sem velocidade, apática, embora estejamos diante de um número musical que precise de maior agilidade para conferir o fervor necessário, por exemplo.
Para uma cinebiografia de Sidney Magal, o olhar que se assume diante dos momentos mais "magalescos" da obra não acham tesão algum. Confia-se que grafismos em tela, glitters explosivos acompanhados de coreografias bem ensaiadas façam todo trabalho e se esquece, assim, que a escolha de planos, enquadramentos, coberturas de cena, são a alma do filme. Existe uma inabilidade ou mesmo desinteresse em torná-lo mais rico e interessante imageticamente, algo que uma cinebiografia que escolhe pela fantasia como premissa para o absurdo deveria assumir como seu maior compromisso.
Assim, Meu Sangue Ferve Por Você se perde entre aquilo que gostaria de ser e aquilo que realmente se torna: uma caricatura de si mesmo. Existem momentos que conferem boas risadas, e momentos que conferem o mais absoluto constrangimento. A verdade é que Meu Sangue Ferve Por Você carece da coragem de se comprometer com a premissa por inteiro, a ponto de absorvê-la à forma fílmica.
Existe a intenção, mas o que se vê em tela acaba se resumindo a personagens que precisam carregar no exagero de suas perfomances, na comédia de costumes que usa o regionalismo como uma muleta, porque o filme não consegue fazer isso por si só. Há uma boa premissa, mas mais uma vez o Cinema nos mostra que isso não basta: para que nasça um bom filme, é necessário compreender suas próprias imagens.
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