A partir de uma história novelesca, Almodóvar tem duas premissas em Mães Paralelas: refletir maternidade, empoderamento, feminismo e sexualidade através de duas personagens complexas e cheias de personalidade e, paralelo a isso, trabalhar a história dolorosa de uma grande parcela do povo espanhol que sofreu com a guerra civil espanhola. Para vincular os dois temas, o diretor realiza uma cena de abertura determinante para os rumos do filme - como deve ser. No entanto, durante o ato inicial e o encerramento, o que acontece no meio faz o enredo se perder demasiadamente e os conflitos de filme mais melodramático acabam sendo exponencialmente mais interessantes do que esse filme político, de memória.
Talvez seja porque, historicamente, Almodóvar tem maior facilidade de retratar personagens femininas e seus conflitos, retirando questões políticas muito importantes a partir disso, do que de fato mergulhando na História e na Política de maneira tão explícita. Um bom exemplo de como o diretor trabalha muito bem a maternidade e os temas políticos que são parte importante dos conflitos da protagonista, é Tudo Sobre Minha Mãe (1999). Manuela, que é mãe solteira, perdeu seu filho e depois parte em busca do pai do menino, que se tornou travesti. Diante de uma premissa simples temos três personagens com uma história complexa: uma mãe que enfrentou o desafio de criar um filho completamente sozinha, um filho que morre sem conhecer o pai e um pai que se distancia de todos para se ver livre.
Esse é apenas um exemplo de filme do diretor que mostra uma história madura ao retratar temáticas intrínsecas às mulheres, no maior estilo Almodovariano, em que este compreende seus personagens como ninguém e sabe trabalhar todos os seus conflitos individualmente. É um exemplo de sucesso do cineasta que engloba tudo aquilo que lhe é característico e que comprova seu talento. O que me frustra em Mães Paralelas, é que esses temas não são apresentados com a mesma atenção e profundidade e, talvez por isso mesmo, o diretor se perca no conflito de seus personagens, parecendo não saber o momento em que seria melhor parar e dosar suas premissas. Ele vai nos levando, meio trôpego, investindo em conflitos rasos e informações esparsas, para um final que até seria comovente, se a jornada daquelas pessoas tivesse o mesmo peso para nós que a situação enfrentada por Janis e Ana.
Parece que, ao não saber relacionar os conflitos de seus personagens com a mensagem que queria passar e que foi explicitamente colocada em forma de uma bela citação do escritor espanhol Eduardo Galeano, o filme não soubesse onde se posicionar entre duas premissas tão diferentes e carecesse de um objetivo mais conciso, que nos mostrasse melhor onde queria chegar. Quando dois temas distantes estão inseridos em uma mesma obra, o mínimo que o espectador espera é que a resolução de conflito faça sentido para ambas situações. É claro que existem motivações parecidas entre as pessoas da vila, que foram separadas de seus familiares, pois sofrem e amam do mesmo modo que Janis sofre pela morte súbita de Anita e a sua separação de Cecília. Mas os links são feitos, na maior parte do tempo, porque queremos vê-los - e não porque a narrativa os deixa claros.
Teria mais potencial caso o diretor tivesse se rendido à complexidade daquela história novelesca do desenvolvimento, que fica perto do inacreditável, fazendo limite com o absurdo, se desenrolando em situações cada vez mais bizarras, do que alinhando seu tema com algo que não consegue conciliar e fundir de forma tão satisfatória. Da sua filmografia, Mães Paralelas é um dos mais fracos e perdidos em si mesmo. Nem mesmo sua direção de arte kitsch aqui se torna uma atração. É tudo muito mediano, incapaz de causar uma emoção forte a ponto de torná-lo memorável. Duvido que muitas pessoas irão lembrar dessa obra como um dos seus filmes favoritos do cineasta, uma pena também pois seu último trabalho Dor e Glória (2019), continua figurando minhas listas de melhores filmes dos últimos anos.
Se algo vale a pena aqui, é a atuação de Penélope Cruz, que sempre se sai muito bem quando faz parcerias com o diretor e é quem guia a nossa curiosidade e nos motiva a terminar. Janis é uma mulher complexa, interessante e disruptiva. A história de Ana também é para se pensar, e parte nosso coração com temas difíceis: estupro, maternidade, família. Nesse estudo de ambas personagens, o diretor se sai muito melhor do que na sua tentativa de conectar a cena inicial com a cena final. Se Arturo inicia o filme como um personagem o qual vale a pena manter nosso olhar, logo mais se torna deslocado na história e, quando retorna, ao final, é mais um estranho. Está perdido no tempo do filme, realmente como um cadáver em segredo no túmulo.
No mais, Almodóvar se sustenta nos seus pilares tradicionalmente mais fortes, mas termina em um trabalho medíocre e esquecível que conquistou indicações importantes nas premiações deste ano muito mais pelo nome envolvido do que pela qualidade da obra. A minha esperança, assim, é que nos seus próximos trabalhos o diretor resgate a habilidade de conciliar temas diversos e personagens complexos com uma história bem articulada. É o que fica.
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