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Enterre Seus Mortos - 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Foto do escritor: Fabiana  LimaFabiana Lima

Adaptação do livro homônimo de Ana Paula Maia, “Enterre Seus Mortos” é o retorno de Marco Dutra na direção após um longo período de trabalho ao lado de Juliana Rojas. Juntos, os diretores lançaram verdadeiros marcos do cinema de horror contemporâneo brasileiro, como os filmes “As Boas Maneiras” e “Trabalhar Cansa” que usam o gênero para realizar comentários sociais importantes sobre desigualdade social e existência queer.



Em 2024, tanto Juliana Rojas em “Cidade; Campo”, quanto Marco Dutra em “Enterre Seus Mortos” estão pensando sobre a destruição do mundo e a exploração do trabalho. Enquanto em Cidade, a diretora utiliza a tragédia de Minas Gerais para propor um pensamento sobre êxodo rural e a precarização do trabalho (ao menos na primeira metade do filme), o longa de Dutra propõe algo parecido, embora muito mais extremo, onde os personagens não estão apenas fora do campo como em outro mundo, e a precarização do trabalho não apenas retira do protagonista a sua felicidade e gera desconexão, como é a principal causa da sua crescente dissociação. 


Nesta história, Selton Mello interpreta o misterioso Edgar Wilson, um homem que está nitidamente afetado pela natureza do seu trabalho no matadouro e que, dentro do contexto daquele universo prestes a colapsar, é o único a se negar a tomar o líquido (uma espécie de chá?). da salvação. Nete (Marjorie Estiano), sua esposa, decide por si mesma começar a sua iniciação. É quando ambos se desencontram em seus objetivos, que incluíam fugir daquele lugar, e seguem caminhos distintos diante dos quais o espectador se questiona, a todo minuto, onde que toda essa estranheza irá levar.


A estrutura narrativa do filme de Marco Dutra segue sete capítulos rumo ao inferno. Aliás, parece haver um “zeitgeist” sobre o apocalipse no cinema brasileiro, o qual “Enterre Seus Mortos” segue muito bem. Após a ascensão fascista em solo brasileiro, cineastas como Dutra parecem buscar com esse tipo de história uma forma de expurgar os demônios dessa terra, seja por meio de alegorias bíblicas como é o caso desta obra adaptada ou por meio de fazer as pazes com o luto, como em “Cidade; Campo” ou pelo vampirismo de “Continente.”


Seja como for, a adaptação do livro de Ana Paula Maia se encaixa muito bem nesse espírito caótico em que vivemos em 2024. Seus simbolismos nos levam para todos os lugares, a narrativa atira para todos os lados e, de forma completamente ensandecida, a obra chega ao fim sem necessariamente nos levar a lugar nenhum. Percebo-o apenas como uma experiência cinematográfica de puro horror, como uma alucinação acordada. Saímos do filme tão dissociados da realidade quanto Edgar Wilson, é uma montanha-russa de emoções capaz de nos arrancar as palavras.



As cenas de Nete embaixo dos trilhos, da chuva assustadora, da criança monstruosa, junto à voz do protagonista mais perto de Chicó de “Auto da Compadecida” do que do seu próprio personagem, são momentos em que duvidamos daquilo que vemos. É completamente dissonante de todos os outros filmes que assisti durante a Mostra e muito provavelmente não tenho como descrevê-lo para nada além do que, para bem ou para mal, o próprio apocalipse.


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