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  • Foto do escritorFabiana Lima

Barbienheimer e a polarização no marketing: masculinidade tóxica e o binarismo de gênero.

Atualizado: 5 de mai.

Bem mais que apenas o "assunto do ano", Barbienheimer chega ao fim da sua primeira semana em cartaz marcado por polêmicas. Em sua maioria, polêmicas que evidenciam a masculinidade frágil de muitos homens e que, de quebra, acabam por mostrar nitidamente como a Warner tem se beneficiado de um marketing que se baseia em uma ideia de polarização para vender ambos os filmes. Polarização esta que vai além das temáticas das obras (essencialmente opostas), para pautar uma discussão bastante forte sobre gênero e binarismo, no Cinema e na sociedade.

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“Meninos vestem azul e meninas vestem rosa” é mais do que uma frase proferida por uma certa política conservadora, é uma construção social que guia toda a ideia do que seria o gênero masculino e feminino, e que se baseia em signos que irão definir o que é feminilidade e o que é masculinidade. Aqui, não há o que se discordar sobre isso. Embora a não-binariedade e a luta contra o binarismo de gênero exista e seja legítima, o que persiste em existir no imaginário social sobre o assunto é tão raso quanto a frase que eu citei no início deste parágrafo. E o Barbienheimer sabe disso.


A embalagem de Barbie é rosa, multicolorida, cheia de humor e declaradamente feminista. A embalagem de Oppenheimer é cercada por seriedade, uma cinebiografia sobre o pai da bomba atômica escurecida em uma paleta fria e cinzenta cujo protagonista também é amplamente conhecido por estrelar uma série cuja legião de fãs (ao menos uma parte) acredita ser o símbolo máximo dos homens viris. Rosa x preto. Por si só, é claro que o público que ambos filmes iriam atrair seria bastante diferente e é igualmente claro que para cada filme utiliza-se uma proposta diferente de imagem. Minha questão durante esse texto não é essa, todos sabem muito bem que um tem classificação indicativa de 12 anos, o outro tem uma classificação de 16 anos - bem aqui já temos uma diferença bastante expressiva.

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Porém, o que eu tenho percebido com bastante frequência é o quanto homens têm rejeitado o filme da boneca (alguns classificando como anti-homem), ao mesmo tempo que incentivam as pessoas à assistirem a estreia de Christopher Nolan no lugar. Além da discussão sobre assistir ou não assistir um ou outro beneficiar apenas uma figura, que é o mercado, essa ideia de repulsa sobre o filme da Barbie tem relação clara com a estética que ambos estão vendendo, algo que as pessoas insistem em ignorar, mas que mora exatamente nisso: na forma. Para além dos temas que os filmes abordam, a forma como abordam e como são vendidos têm influência no tipo de discurso que atraem: diferente entre homens e mulheres, meninos e meninas.


Afinal, por que um filme é mais aprazível para homens quando segue a noção binária de gênero? E porquê, diante disso, a masculinidade tóxica e frágil acaba por atingir bem mais esse grupo que mulheres, as quais provavelmente verão ambos os filmes sem se importar com isso? Nesses poucos dias desde que Barbieheimer estreou, tive contato com homens com mais de 40 anos, alguns até na casa dos 20 que diante da pergunta pareciam ofendidos: “Eu, ver filme da Barbie? Jamais”. Alguns mais religiosos, esses eu vi na internet, faziam campanhas para que jovens garotas não fossem levadas para ver o filme e para que os jovens meninos sequer cogitassem pedir uma coisa dessas - provavelmente porque teriam sua sexualidade questionada pelo próprio pai, mesmo que a gente esteja falando de crianças e pré-adolescentes.


Enquanto crítica de cinema e acima de tudo, enquanto pessoa, isso não faz o menor sentido para mim: filme não tem gênero. No entanto, o marketing Barbienheimer se promove exatamente por meio dessa polarização social, por evocar uma discussão de gênero e, através de memes e polêmicas como estas que estão tomando as redes sociais, fazer muita gente acreditar que existe algo como filme para mulheres e filme para homens. Como se os conceitos de masculinidade e feminilidade se aplicassem a uma obra e como se, diante da forma mais tola possível de se pensar, Barbie também não fosse um filme interessante para homens assistirem. Afinal, a desconstrução de ideias machistas só irão partir para a realidade fática quando homens também forem inclusos dentro das noções de equidade de gênero, e um filme como Barbie é totalmente passível de gerar uma discussão como essa.


Ano passado, o assunto da masculinidade tóxica alugou um triplex na minha cabeça ao final da sessão do filme Close, do diretor belga Lukas Dhont. Desde então, não sei exatamente se foi o filme ou a minha vivência particular que me fez questionar muito como os conceitos de masculinidade impostos socialmente podem ser prejudicial aos homens em diversos níveis. Nessa semana histórica para o Cinema, voltei ao assunto ao me perguntar, várias vezes, como o simples ato de assistir um filme de boneca vestido de rosa (ou não) pode ter sido um questionamento muito mais sério para muito mais homens do que muita gente imagina.

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Quando esta parcela significativa de homens, em sua maioria héteros e cis, fazem uma propaganda massiva pró-Oppie e promovem uma espécie de boicote anti-Barbie, existe muito mais sobre a estética de feminilidade x masculinidade do que sobre o trama dos filmes em si. A estética das cores, da forma, do que forma o surrealismo x falso realismo, que inquestionavelmente seguem noções tradicionais de recorte de gênero (ironicamente próximas àquelas que vemos em chás de revelação), é uma estratégia de marketing que funciona pela segregação e pelos preconceitos enraizados de uma sociedade com bases patriarcais extremamente sólidas.


Dessa discussão surgem muitas outras camadas, como por exemplo como ao longo da história os gêneros cinematográficos como faroeste e ação sempre se voltaram mais ao público masculino, enquanto as comédias românticas se voltavam mais ao público feminino. Também podemos discutir sobre como os filmes "para mulheres" sempre foram taxados como menos intelectualizados e como os filmes voltados ao público masculino sempre tinham "muito mais a dizer" embora isso não fosse totalmente verdade em quase nenhum dos casos. Existe um falso intelectualismo que rodeia os conteúdos do universo "masculino" enquanto tudo que é "de menina" parece ser menos importante.


Assim, Barbie para essa parcela de homens se torna simplesmente mais um filme de garotas, um filme de boneca que eles jamais verão ou deixarão seus filhos verem. Caso anti-feministas, também não comprarão ingressos e nem levarão suas filhas, com medo da lavagem cerebral que o filme pode fazer na cabeça destas. E, no final das contas, quem se beneficia positivamente dessa ideia tola é o mercado e o patriarcado, que deixam suas ideias sobre masculinidade cada vez mais fortes, como eu disse, e fazem, juntos, crer que homens que vestem rosa e assistem Barbie seriam menos homens por conta disso. E que mulheres que vestem rosa e assistem o filme seriam mais mulheres, também, por conta do mesmo motivo.


Nem Oppenheimer nem Nolan, nem Barbie nem Greta têm parcela de culpa na forma como essas pessoas que eu citei, especificamente, tratam suas obras. Os filmes não são menos interessantes ou bem-feitos porque a estratégia utilizada pelo mercado para vender dissemina no final das contas as piores ideias de binarismo de gênero e outras polêmicas bestas possíveis. Mas é preciso, simplesmente, pensar criticamente o porquê um filme que segue uma estética mais agradável às noções binárias de gênero parece atrair tanto um público específico, porquê um filme sem personagens femininas significativas se torna mais querido por homens, e porquê um filme cômico e feminista seria menos intelectual ou importante por isso. É puro machismo, direto e claro.

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Particularmente, eu gosto de ambos os filmes e não vejo porquê não assistir aos dois, seja você se identificando com algum gênero ou não. Obras cinematográficas não permitem esse tipo de classificação, por mais que o mercado as venda dessa forma e por mais que as pessoas assimilem dessa maneira para vender preconceito e ódio (cujo valor de mercado, todos sabem, está em alta). O patriarcado vende a masculinidade tóxica porque lucra com isso e besta, sendo bem sincera, é quem ainda acredita. Veja o que você quiser, no momento em que você quiser, sem permitir nem por um minuto que as imposições patriarcais, de feminilidade ou masculinidade, que seja, te impeçam de consumir qualquer coisa. Vestindo rosa, preto ou amarelo, a verdade é que Barbienheimer é um fenômeno por algum motivo. Não deixemos que seja pela polêmica que os cercam, e sim, pela qualidade que apresentam.

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